A Identidade
“Desde que se decidiu pelo teatro de rua, o grupo Quem Tem Boca é Pra Gritar sentiu a necessidade de estabelecer um acampo de pesquisa capaz de fornecer material para seu crescimento, objetivo para o trabalho ou, como eles dizem, “um fio para puxar”. Por se tratar de um grupo, uma proposta de continuidade, este fio precisava alimentar não um único espetáculo, mas um teatro, englobando tudo o que há entre um ensaio e uma apresentação, um texto e uma linguagem.
A trajetória do grupo mostra uma coerência estética orientada pelo enraizamento cultural e pela pesquisa que os atores empreendem no campo da interpretação. Os elementos culturais que os circundam são estudos produzidos em ritmo, corpo e jogo teatral. A continuidade deste processo de assimilação criativa fez com que o grupo formasse uma espécie de lente pela qual olha e aborda todas as influências externas.
Muitos desses elementos estavam presentes na memória dos atores, em sua formação. Humberto Lopes lembra da mala que onde a avó alimentava e mantinha duas cobras pretas, protetoras da casa contra as cobras venenosas e contra os ratos. Quando uma mulher da família estava amamentando, a avó fechava a mala a noite porque, segundo ela, as cobras gostavam do leite e havia casos em que iam mamar nas mulheres.
Pesquisando as festas populares, o grupo de deparou com um material vasto e nem sempre acessível. Indo em vilas mais distantes, procurando as origens dos rituais, descobriu que o xaxado nasceu da lavoura quando, com a enxada, os camponeses ‘xaxavam’ o feijão: com um dos pés afastavam o mato para um lado e depois para p outro, cortando rente ao broto.
A pesquisa, em sala de trabalho, se concentrou nos ritmos e na postura física. O deslocamento do eixo do corpo no coco de roda, nos guerreiros de maracatu, no mestre de pista, na argolinha, as nuances rítmicas do xaxado, do xote, do baião, que têm como base o forró, dançado no chão de terra batida com tronco até o dia amanhecer.
Em todas estas veredas, o Quem Tem Boca é Pra Gritar não está em busca nem de um resgate cultural nem de uma técnica de interpretação. O que o grupo tem como objetivo pode ser chamado de ‘verdade’, que para os atores não significa ilusão mas, antes, identidade.”
Rosyane Trotta
Escrito entre 1993 e 1994 quando Rosyane esteve estudando o Grupo e escrevendo sua dissertação de mestrado.